O Editor do BVMI oferece neste mês de Agosto um excelente artigo escrito por Marcelo Zimmaro, experiente profissional do mercado industrial que vivencia o processo de vendas técnicas no mundo real diariamente há décadas.
Boa Leitura:
Vendas e Comportamento: descobrindo o poder do “eu não sei”
É muito comum ver nas redes sociais de hoje em dia, pessoas vendendo treinamentos e consultorias sobre os mais variados assuntos. Como ser um vendedor de sucesso, como se tornar um empreendedor, como acumular um milhão de Reais e por aí vai.
Acho isso muito curioso e, sempre que posso, tento investigar a formação e experiência destas pessoas, para saber de onde vem tanto conhecimento.
Infelizmente o resultado destas investigações é, na maioria dos casos, decepcionante. É triste constatar que muitos daqueles que se propõe a ensinar empreendedorismo, por exemplo, nunca tiveram sequer uma empresa ou um negócio real qualquer.
Outros que se apresentam como gurus das vendas, não possuem experiência relevante a não ser “vender cursos sobre como vender“.
E o mais incrível, estas pessoas realmente acreditam que são mestres nestes assuntos, mesmo sem autoridade, e são aclamadas por milhares de seguidores, que estão na mesma sintonia de superficialidade. O resultado vocês já podem imaginar.
A minha intenção aqui não é julgar ninguém. O objetivo deste artigo é apenas explorar um pouco esta questão psicológica, aplicada à prática, oferecendo alguns insights para profissionais de vendas.
Para isto, vou recorrer ao estudo de um conceito criado há mais de 20 anos, muito antes da explosão de vídeos na internet: o efeito Dunning Kruger.
Efeito Dunning Kruger
Em 1999, Justin Kruger e David Dunning, dois psicólogos norte-americanos publicaram um estudo no jornal de psicologia da Universidade de Cornell, intitulado
“Não qualificado e inconsciente: como as dificuldades em reconhecer a própria incompetência levam a autoavaliações exageradas”(Dunning e Kruger, 1999, tradução livre).
A publicação, detalhada em 14 páginas, se baseou em entrevistas com centenas de pessoas, testando seus conhecimentos e habilidades em humor, raciocínio lógico e gramática.
A conclusão principal do estudo, que mais tarde ficou conhecido como “Efeito Dunning Kruger“, é de que existem pessoas que não possuem conhecimento sobre determinado assunto, porém acreditam ser mais bem preparados que outros indivíduos mais capacitados, ou seja, não reconhecem e não enxergam suas limitações pessoais, devido à sua própria incompetência, levando assim a tirar conclusões equivocadas e tomar decisões erradas.
Segundo Dunning e Kruger, pessoas altamente competentes normalmente reconhecem suas incapacidades, ou seja, não ignoram suas limitações e, por assim dizer, não são ignorantes.
Isso me lembra aquela conhecida expressão “só sei que nada sei“, que é´erroneamente atribuída a Sócrates, mas que de qualquer modo leva à reflexão sobre a humildade intelectual necessária para reconhecer nossas incapacidades.
Ou seja, não sabemos tudo sobre tudo e isso não é um problema, na verdade é uma virtude sabermos aceitar que não sabemos de algo.
Vale acrescentar que este viés cognitivo psicológico existe de maneira inversa também, ou seja, pessoas com alta competência em determinada atividade podem sofrer de inferioridade ilusória, ou seja, tendem a acreditar que pessoas menos capacitadas são melhores que elas, quando realmente não são. É a Síndrome do Impostor.
Os gurus do coaching
Este tipo de fator psicológico de superioridade ilusória existe, é claro, além das fronteiras da internet.
O mundo real nos apresenta profissionais com poucos anos de experiência em determinada função, mas que mesmo assim resolvem virar consultores ou praticar a atividade de coaching, que hoje se banalizou muito, como sabemos.
É claro que existem excelentes coaches e consultores, com verdadeira experiência e formação na área, que possuem a real capacidade de ajudar pessoas. Não é possível generalizar neste tema.
Os coaches mal preparados da atualidade são um ótimo exemplo sobre a falta de consciência dos indivíduos em relação à sua própria capacidade.
Como alguém que não vivenciou algo de maneira ampla ou estudou muito a fundo um assunto, se propõe a ensinar aos outros? Não acredito que seja má intenção, porém, me parece uma distorção entre a realidade e o imaginário, que leva exatamente a uma decisão equivocada de investir em uma carreira que dificilmente dará frutos sustentáveis.
O que as vendas me ensinaram sobre isso
Vamos olhar para a superioridade ilusória, estudada pelos psicólogos em questão, em relação ao dia-a-dia.
Por exemplo, é comum para quem exerce atividade de vendas ouvir que somos “tiradores de pedidos” ou que vender é fácil, especialmente vindo de indivíduos que nunca ocuparam estas funções de maneira formal.
Eles acham que seriam facilmente bem sucedidos em vender, apenas pelo fato de já terem experimentado a realização de uma venda em alguma situação pontual, onde foram bem sucedidos.
Deste modo, ignoram as tremendas dificuldades e desafios impostos pela atividade comercial, que requer muito estudo, treinamento, experiência e preparo psicológico. Uma verdadeira montanha-russa de ônus e bônus.
Peço licença para contar aqui uma experiência pessoal. No início da minha carreira em vendas industriais, com aproximadamente dezenove anos de idade, recebi uma grande lição do meu chefe.
Ele sempre dizia que eu não deveria responder coisas que não sabia e, quando estivesse diante de uma situação de dúvida perante um cliente, que não seria nenhuma vergonha dizer simplesmente “não sei“.
Por outro lado, me ensinou também que deveríamos acrescentar outra coisa nesta frase:
“não sei, mas vou verificar quem sabe para lhe responder”.
Para um jovem em início de carreira, cursando administração de empresas e inserido em um ambiente altamente ocupado por engenheiros e profissionais técnicos, foi uma lição muito valiosa.
Esta prática do “não sei” realizada persistentemente por 20 anos me levou a um nível de conhecimento técnico – básico o suficiente – para exercer minha profissão e crescer na minha carreira.
E também me ensinou a ser mais proativo e curioso, ou seja,
“não sei, mas me interesso pelo seu problema e vou estudar e descobrir a resposta para lhe trazer mais tarde”.
Esta busca pela humildade intelectual e da curiosidade para buscar as respostas é algo que não se ensina nas escolas ou no mundo corporativo atual.
Hoje o estímulo maior é para a superficialidade, sobre parecer ser o que não é de verdade, aquele mundo virtual das redes sociais e das aparências.
Tive a sorte de ter como mentor uma pessoa com sensibilidade de me ensinar a dizer “não sei“, pois o instinto natural de um jovem inexperiente seria talvez dar uma resposta evasiva, tangencial, ou simplesmente dizer algo que eu achasse e não que eu tivesse certeza, o que provavelmente me fecharia mais portas do que abriria.
Insights para nós, vendedores
- Aprender a reconhecer a nossa falta de conhecimento sobre um determinado tema
- Não responder aos clientes sobre aquilo que não sabemos
- Estimular curiosidade para aprender sobre assuntos que não somos especialistas
- Ser proativo na busca das respostas assertivas aos clientes
- Buscar ajuda dos outros e valorizar o conhecimento dos colegas
- Filtrar histórico profissional e acadêmico antes de consumir conteúdo
- Estudar sempre e ler livros para enriquecer nossos conhecimentos na área
- Exercitar nossa humildade e reconhecer nossas fraquezas
- Buscar opinião dos outros sempre antes de tomar decisões importantes
Reflexão final
Acredito que este conceito vale para qualquer área de nossas vidas. Proponho à vocês uma reflexão sobre o assunto, tomando o cuidado de não julgarmos os outros e concentrando os nossos esforços em identificar o efeito Dunning Kruger em nós mesmos.
Quem sabe possamos praticar o “não sei” com mais frequência, para que possamos nos tornar profissionais e indivíduos melhores.
Já comentei acima que a frase “só sei que nada sei” não é de Sócrates, literalmente. Mas para encerrar, deixo aqui um trecho de diálogo de Sócrates, narrado por Platão em seus escritos, trazendo a ideia do filósofo sobre o tema (créditos: canal “Isto não é filosofia“):
“A partir daí me tornei odioso a muitos dos circunstantes e, indo embora, fiquei então raciocinando comigo mesmo – sou sim mas sábio que esse homem; pois corremos o risco de não saber, nenhum dos dois, nada de belo nem de bom, mas enquanto ele pensa saber algo, não sabendo, eu, assim como não sei mesmo, também não penso saber… É provável, portanto, que eu seja mais sábio que ele numa pequena coisa, precisamente nesta: porque aquilo que não sei, também não penso saber”. (PLATÃO, Apologia à Sócrates).
Marcelo Zimmaro
E-mail: zimmaro@hotmail.com
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